Por mais cinza que sejamos, somos ainda amarelos.
Ou azuis. Ou vermelhos.
Ou azuis. Ou vermelhos.
Vejo isto, muitas vezes, não no meu olhar, mas no foco do outro, na lente que despe a cidade já nua-crua, qual tripa exposta e aberta que finjimos não ver.
Afinal, somos glamurosos e, no fundo, mesmo, desejamos o brilho do gliter novo despedaçado na noite em que escondemos nossa imperfeição.
E tanto queremos a exatidão do Photoshop, a vida maquiada no seu mais profundo milímetro, o gene projetado, o trem-bala em vidro e aço azul ( e sem motorista ... ), a pontualidade, o cronograma, o regular previsível eficiente.
Somos blindados - blinded pela ciência. E pela promessa dos fantásticos copies - pastes. E deletes.
Recortes, reparos, reimplantes, retoques, retraços.
Mas é - e também assim o é - na sobra da cirurgia urbana, estripada pela jura da Gothan City reluzente, que se nos revela a entranha devastada, a cidade profanada.
E somos então surreais e expressivos - nistas, dadaizados fragmentos de cubos, chapados restos que escondemos um dia.
A cidade segue tatuada, marcada por uma vida que não vimos acontecer. E se revela, traidora, despindo-se para outros olhos. E naquele que lhe sabe ler-ver, revela-se de novo para mim.
Por mais minimalisto - recicláveis, sustentáveis e auto-limpantes que sejamos, somos ainda, e mais ainda, genomas de um projeto deformado.
texto : Sônia Andrade
imagens : Yves Tadeu
imagens : Yves Tadeu
* Agradeço aqui, publicamente, ao fotógrafo Yves Tadeu que me revela, em suas imagens, uma cidade sedutora que para ele se despe despudoradamente todos os dias.